Relendo uma edição antiga da revista “Running Times“, registei ma interessante matéria assinada por Mark Winitz, que reúne opiniões diversas de especialistas em corridas de fundo, cada um deles citando erros comuns entre os praticantes de corrida. Nesta página, procuro sintetizar os pontos que me pareceram mais relevantes do trabalho compilado por Winitz.

CORRER SEM PLANO DE TREINO

A norueguesa Grete Waitz, medalhista olímpica, ex-recordista mundial de maratona e nove vezes vencedora da Maratona de New York, hoje padecendo de cruel enfermidade, comenta que escuta frequentemente corredores dizerem: “Eu penso que poderia correr essa prova ou, quem sabe, talvez aquela outra, sem ter feito previamente um plano de treino para a temporada”. “Isto não ocorre somente com corredores amadores – comenta Waitz – até os bons corredores cometem o erro elementar de não se programarem adequadamente para  alcançarem melhores resultados.” Concordo plenamente com a opinião da consagrada maratonista. O primeiro passo para o sucesso em qualquer actividade é uma planificação cuidadosa e detalhada de cada fase do trabalho.

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Nesta linha de raciocínio, corredor e treinador (ou ainda o corredor sozinho, se não dispuser de treinador pessoal), devem, no final de uma temporada, planear conjuntamente os objectivos para o período seguinte, seleccionando as provas mais importantes, com uma gradação de prioridade nos resultados e, a partir daí, fixarem o seu macrociclo de actividades, incluindo um período de. recuperação, seguindo-se um período de base, um período de treino pré-competitivo e o de participação em provas. A duração e a eventual repetição de períodos dependem do número de competições importantes em que o corredor vai participar na temporada. Têm que ser fixadas metas claras e realísticas e, num trabalho disciplinado, partir-se confiante para atingir essas metas. Fora desse procedimento, tudo vira improviso, o que equivale a dizer que há grande possibilidade de fracasso nos resultados .

SEGUIR INDISCIPLlNADAMENTE MÚLTIPLAS IDEIAS

É comum que determinado corredor decida seguir exactamente um tipo de treino que um companheiro fez e que, com base nele, obteve excelente resultado. Muitas vezes, com esse outro o resultado é desastroso pela simples razão de que cada indivíduo é único, e aquele tipo de treino que se encaixou tão bem no colega não se ajustou bem nele, pelas mais diferentes razões: condição física actual, estilo de vida, tempo para treinar e para se recuperar, peso, idade, etc.

É normal – e mesmo desejável – que corredores competitivos procurem ampliar a sua formação e o seu nível de informação sobre corrida o máximo possível, participando em seminários e clínicas, conversando com corredores mais experientes, com técnicos, médicos fisioterapeutas, nutricionistas, além da leitura de livros e revistas especializadas, mas é um equívoco imaginar que pode adoptar com sucesso qualquer fórmula mágica de treino. Nos dias actuais, a comunicação electrónica via Internet ou mesmo o uso de softwares específicos sobre o assunto, ampliou consideravelmente as facilidades de acesso a tabelas, planos e dicas sobre treino em geral.

No Q entanto, o mais importante é que o corredor analise cuidadosamente as informações e as que melhor se enquadrem com a sua condição actual. Após algum período de auto-observação cuidadosa e permanente, cada um é capaz de construir o seu próprio plano, aquele que lhe permitirá alcançar mais solidamente e com menor sacrifício os melhores resultados. Usando outras palavras, os comentários sintetizam o pensamento de Bob Kennedy sobre o assunto.

ISOLAR-SE NO TREINO

Quem aborda este ponto é a fundista norte-americana Regina Jacobs, que já integrou três vezes a equipa olímpica do seu país e destacou-se como recordista nacional dos 5.000 metros. Regina defende enfaticamente a necessidade de que todo o corredor deve ter em dividir as emoções do treino diário com o seu treinador (caso ele disponha), com outros companheiros de corrida, com seus familiares e demais amigos e colegas de trabalho. Isolar-se, procurar curar-se de lesões sem consultar um especialista, treinar sozinho, tudo isso pode fazer do treino um sacrifício, em vez de momentos de prazer.

Como atleta profissional, Regina Jacobs pode dar-se ao luxo (acessível apenas para uma minoria) de dispor de treinador, massagista, fisioterapeuta, podiatra, chiropraxista (profissionais especializados da área médica num tipo especial de manipulação do corpo para corrigir postura e recuperar de lesões na coluna e em outras partes do corpo), além de médicos especialistas em diversas áreas. Este conjunto de pessoas está integrado no seu dia-a-dia desportivo e constitui uma retaguarda importante para a obtenção de bons resultados. Foi amplamente divulgada a preparação que Ronaldo da Costa fez para a memorável façanha da quebra da marca mundial da maratona, em Berlim 1998.

Apesar do seu indiscutível talento, certamente ele não teria alcançado tal façanha caso não contasse com a equipa de retaguarda que lhe deu assistência nos meses que antecederam a prova. Embora essas facilidades não estejam disponíveis para todos, é importante que haja um esforço no sentido de que a nossa vida desportiva seja compartilhada com os que nos cercam.

PREPARAR-SE EM DISTÂNCIAS E RITMOS INADEQUADOS

  • Este importante tópico foi abordado com propriedade por Pete Pfitzinger, que representou duas vezes os Estados Unidos em maratona olímpica e que hoje é conceituado fisiologista do exercício. Pfitzinger focaliza quatro erros comuns que ocorrem no treino intervalado:
  • Tiros de 400 metros na preparação para provas com distâncias superiores alO km;
  • Tiros excessivamente rápidos para maximizar a melhoria do V02max, a quantidade máxima de oxigénio que o coração pode bombear para os músculos do corredor num determinado período;
  • Fazer treino intervalado em lugar de corrida de ritmo, que poderia trazer maior benefício para o corredor; Seguir uma linha de trabalho de alta intensidade, com tiros demasiadamente rápidos.

De acordo com Pfitzinger, os tiros de 400 metros são muito curtos para um aumento efectivo do V02max. Na sua opinião, o intervalado deverá programar tiros entre 600 e 1.600 metros. O mais efectivo, entretanto, para o aumento de V02max, é correr-se 3 km num ritmo de competição de 5 km. Correr intervalados em ritmos mais rápidos do que isso é trabalhar mais o sistema anaeróbico, o que causa elevação dos níveis de lactato, com consequente aumento do tempo de recuperação do atleta. Os maratonistas – continua Pfitzinger – , devem, definitivamente, fazer corridas de ritmo com mais frequência do que intervalados para melhorarem as suas performances.

FAZER DA CORRIDA UMA PRÁTICA OBSESSIVA

Muitos corredores com métodos de treino pesados acabam por se transformar em obsessivos na sua prática desportiva, Alguns profissionais da medicina desportiva entendem este comportamento como positivo porque, apesar de tudo, eles estão melhorando tanto a sua saúde física como a mental. Embora muitas vezes isso seja verdade, há sempre o risco de sobrecarga, o que maximiza o risco de lesões, na opinião do fisiologista do exercício David Martin. Um sintoma da obsessão no treino de corrida é o desejo que tem o corredor de fazer a mesma rotina de treino todos os dias, avaliando o seu sucesso unicamente pela sua quilometragem ou tempos de treino. David Marrin recomenda que a filosofia básica do maratonista deve ser a qualidade e não o volume de treino: três trabalhos de qualidade alternados por semana, incluindo-se entre eles um treino longo, uma sessão de intervalado longo (de 1.500 metros, por exemplo)fartlek ou treino de ritmo, e uma sessão de intervalados curtos (800 ou 1.000 metros, no caso de maratonistas), Os outros quatro dias deverão ser distribuídos entre corridas regenerativas c dias de descanso.

ESQUECER TREINAR A MENTE

É sabido que a prática da corrida é uma forma de reduzir o stresse, mas a maioria dos corredores esquece-se de preparar a mente com o mesmo cuidado com que preparam as pernas e o coração. Johann Dahlkoetter, um especialista na matéria, sugere algumas técnicas para ajudar os corredores a atingirem os seus melhores resultados:

Mentalizar a sessão de treino do dia seguinte imediatamente antes de se deitarem para dormir; o subconsciente do corredor pode realmente trabalhar na preparação do treino enquanto ele dorme;

Usar vídeos como instrumentos de visualização; por exemplo, alguns minutos assistindo a corredores quenianos fazendo trabalhos em subidas, além de ser uma oportunidade para analisar se a sua técnica de corrida possibilita a consciencialização de que esse trabalho não é tão duro assim e que cada um procurará imitá-los no seu próximo treino ou na competição, em situação similar;

Usar técnicas de relaxamento e de respiração suave enquanto repete a mensagem de “concentração” e de “pronto” antes da sua corrida. Isto descontrai os músculos de todo o corpo;

Dividir o seu trabalho em varias parcelas, com metas específicas; por exemplo, dividir um treino de 32 km em quatro segmentos de 8 km, partir num ritmo moderado no primeiro segmento, aumentar um pouco no segundo, mais um pouco no terceiro e, por fim, a quarta e última parte mais forte do que as anteriores;

Depois das sessões de treino, rever especificamente o seu sucesso na sua mente e procurar melhorar mais ainda na próxima vez.

ALIMENTAÇÃO INSUFICIENTE

A nutricionista Nancy Clark focaliza este assunto com rara felicidade. “O desportista, o atleta, o corredor, só consegue produzir bons resultados se mantiver uma dieta alimentar compatível com os seus gastos energéticos, tanto na fase de treino como na de competição. O corredor não deve ficar preocupado com a questão de peso, mesmo porque cada individuo tem o seu peso ideal. Alguns, geneticamente. são magros; outros, têm uma estrutura muscular e esquelética maior, decorrendo daí maior peso, o que não significa, necessariamente, que ele seja ‘-1 menos apto para correr do que um corredor mais leve. O que acontece na prática, é que o próprio treino faz do maratonista um individuo de baixo , índice de gordura e ele não deve preocupar-se se um competidor directo é mais leve do que ele e, por conta disso, deixar de ter a alimentação adequada”. O que Clark recomenda é alimentação bem nutritiva no café da manhã e no almoço, além de alguns petiscos nos intervalos.

À noite, um jantar leve. Se você levantar-se faminto no dia seguinte, pode dizer que perdeu peso durante a noite. Seguindo este programa, perderá peso, isto é, se tiver peso para perder. Se não perder peso, é um sinal de que o seu corpo está tentando conservarse. Nancy Clark observa que há corredores rápidos com físicos diferentes. “Não há pesquisa que comprove que o fundista mais magro é melhor corredor do que um menos magro. Você pode alcançar um ponto de ser demasiado magro e perder massa muscular. Portanto, este assunto do peso não deve ser objecto da sua preocupação. Muito mais importante é como se alimenta e como se sente alimentado para a sua performance”, conclui Nancy Clark.

Por AYRTON FERRElRA

Revista: Revista SPIRIDON